a 'morte líquida' que se tornou uma aula de branding épica

a Liquid Death, criada em 2019 chegou recentemente ao estatuto de marca bilionária, tendo em março deste ano levantado uma ronda de investimento no valor de 67 milhões de dólares e atingido o valor épico de 1,4 biliões de dólares (source: Forbes)! e a vender o quê? água, dizem com desplante  

como? 
 
the customer is literally drinking the advertising, and the advertising is the brand

a frase é de Luke Sullivan no livro Hey Whipple, Squeeze This (de leitura obrigatória, btw) e resume, na perfeição, o fenómeno que é a marca Liquid Death, que transformou 'água' num ícone cultural (sem sequer a tornar em vinho)

dito de outra forma, 
 
o produto é o consumidor e beber Liquid Death tornou-se um ato performativo

o consumidor adota os valores, a identidade e a narrativa da marca e exibe o produto como uma extensão de si próprio, o produto transcende a sua função utilitária e transforma-se, através da marca, num signo, com tudo o que precisa para se tornar uma referência cultural

o nome, Liquid Death ("Morte Líquida") questiona os atributos de pureza e saúde e opoem-se ativamente ao conceito de 'vida' que a água tão bem representa enquanto simbolo; 'opoem-se' será a palavra chave aqui

a lata metálica ('tallboy') com design agressivo e o logotipo que é uma caveira, remetem (intencionalmente) para as cervejas artesanais ou para as bebidas energéticas e com isso a marca evoca rebeldia e ousadia

ao mesmo tempo, a embalagem comunica sustentabilidade (alumínio > plástico) e provoca uma reflexão irónica sobre o consumo consciente, sem a seriedade que muitas marcas sustentáveis adotam (inclusive ao dinamizar a hashtag #deathtoplastic). A lata não é apenas um recipiente de água; ela é um totem de uma tribo cultural que valoriza autenticidade, ironia e irreverência

o primeiro video da marca, há 5 anos:


um dos vídeos mais recentes, 'introducing a life-sized casket for death-sized beverages: The Casket Cooler from Liquid Death x YETI. Featuring Triple Foam ColdCell™ technology, once you fill this one-of-a-kind giant casket with ice and Liquid Death, it will become the life of any party'


a Liquid Death subverte assim todos os códigos conhecidos, e toda a identidade da marca desafia de forma irrreverente o padrão de naturalidade e pureza das águas que caracterizam o mercado (das Águas das Pedras à Fiji, Evian ou Voss); a Liquid Death rejeita a abordagem tradicional e escolhe uma linguagem contraintuitiva, associando um produto "saudável" à estética de morte, caveiras e subversão

ao executar toda esta (des)construção numa narrativa e numa comunicação que associa beber água a uma atitude anti-sistema a marca recria a cultura! e quem adora ser anti-sistema?

a própria assinatura da marca "Murder Your Thirst" (Assassina a tua sede) é um elemento central na construção desta identidade e narrativa. Mais do que uma simples promessa funcional, ela encapsula a atitude irreverente e provocativa que define a marca. A frase transforma o ato trivial de beber água num gesto performativo, quase violento, ao mesmo tempo que reforça a estética ousada e subversiva que permeia todos os aspectos da Liquid Death

a assinatura torna-se assim uma metáfora extremamente potente: "assassinar" a sede remete à intensidade com que a marca aborda seu público, enquanto ecoa o seu compromisso com "matar" o consumo de plástico descartável. A assinatura funciona como um ponto de ligação emocional e simbólica, garantindo que o consumidor esteja não só a saciar a sua sede, como também a aderir a uma comunidade cultural que valoriza autenticidade e a consciência ambiental com uma muita dose de irreverência e uma atitude de questionar tudo e todos 

a esta altura só nos resta agradecer a aula de Branding! vénia a ti Liquid Death