pensar como um futurista (pode salvar-lhe a vida)

no livro O Cisne Negro, Nicholas Taleb apresenta o conceito de "cisne negro", uma criatura que, até ser descoberta, era considerada impossível de existir. A obra explora como os seres humanos tentam encontrar explicações para eventos improváveis e imprevisíveis, muitas vezes tentando 'racionalizar' o inesperado, em vez de o incorporar como parte natural da vida das pessoas e dos negócios. Esta metáfora ilustra a imprevisibilidade e o impacto significativo de eventos raros, mostrando como eles podem alterar drasticamente a forma como compreendemos o mundo à nossa volta

um evento para ser considerado um Cisne Negro tem de reunir três características importantes: (1) ser imprevisível antes de ocorrer: com base no conhecimento e dados disponíveis, o evento parece impossível ou altamente improvável de acontecer; (2) ter um impacto enorme: ao ocorrer, o evento causa mudanças significativas, transformando setores, sistemas ou até mesmo sociedades inteiras; e (3) ser racionalizado em retrospectiva: após o evento, as pessoas frequentemente criam explicações que o fazem parecer menos aleatório ou imprevisível, como se fosse algo inevitável, ignorando sua natureza caótica e incerta

exemplos como a Nokia (no sector das telecomunicações) ou a Blockbuster (no entretenimento em casa) ilustram bem este conceito no mundo das marcas e as consequências da disrupção 'inesperada' — nas propostas de valor e nas preferências dos consumidores. Por isso, mesmo fazerndo tudo bem, não antecipar, antever ou preparar "cisnes negros" leva ao que muitas vezes designamos como "de vitória em vitória, até à derrota final" 

somos, cada vez mais, incapazes de avaliar em pleno todas as oportunidades possíveis, presos como estamos ao impulso de simplificar, classificar e categorizar. Além disso, falta-nos, frequentemente, a abertura necessária para reconhecer e valorizar o 'impossível' ou o ' improvável', deixando escapar ideias que poderiam transformar o mundo (da marca, do consumidor...)

por isso, as abordagens emergentes no planeamento estratégico substituem o 'forecast' pelo 'foresight', dando prioridade à construção de cenários futuros! o "futures thinking" reconhece assim a possibilidade – e a probabilidade – de mudanças fundamentais no próprio sistema. Sai do presente e das restrições atuais para considerar uma vasta gama de futuros possíveis, as suas consequências e as potenciais respostas. Como? através de metodologias inovadoras e das quais o 'futures cone' é um dos exemplos mais interessantes

o 'cone de futuros' criado por Henchey (1978) é uma heurística utilizada para mapear diferentes versões de futuros alternativos a partir do momento actual.  Esta ferramenta define quatro classes principais de futuros: futuro possível, futuro plausível, futuro provável e futuro preferível; para cada um destes cenários considera ainda a existência de 'cisnes negros' ou 'wild cards' que nos obrigam ao absoluto inesperado (assim como cenários 'absurdos' ou 'impossiveis')

(source: 'How to visualise futures studies concepts: Revision of the futures cone')

podem ler mais sobre os pressupostos e a metodologia no artigo 'projectar (para) o futuro das marcas' publicado na revista Marketeer aqui 
 
estas técnicas promovem o desenvolvimento daquela que eu acredito que seja a próxima “super–competência” das marcas, o foreknowledge o conhecimento sobre eventos futuros, a consciência de algo antes de acontecer ou existir. Os métodos prospectivos ajudam-nos a explorar e a compreender esta gama de possibilidades futuras e o futures thinking surge como a ferramenta essencial para as marcas, para os negócios ou para as organizações que procuram não apenas reagir ao futuro, a eventos mais ou menos (im)previstos, mas que querem ser capazes de os antecipar e de se preparar para construir o futuro 

por isso 'abraçar' o inesperado de forma criativa pode transformar as maiores incertezas em grandes oportunidades! abrir a marca a diferentes graus de inesperado e acompanhar as pistas que saem deste exercício pode não só garantir a sobrevivência de uma empresa, mas também criar um espaço fértil para soluções inovadoras que façam a diferença 

pensar como um futurista pode mesmo salvar-lhe a vida, da marca e do seu negócio! vamos a isso?

a literacia como um ativo estratégico de marca

na era dos dados e do excesso de informação, o conhecimento – o 'saber' – ganha cada vez mais relevância! ao mesmo tempo, percebemos, hoje mais do que nunca, que o papel das marcas tem de ir além do desenvolvimento e entrega de produtos ou serviços por si só

conseguiríamos juntar estes dois insights para criar um ativo estratégico para as marcas? este post é sobre isso, sobre a importância da literacia como ativo das marcas do futuro. As marcas do futuro (B2B, B2C, D2C, ...) precisam perceber o 'poder' do conhecimento que têm e do seu papel como agente ativo de literacia ao serviço do consumidor! isto é, o conhecimento que uma marca tem e constrói dentro da sua área de atuação e que ao partilhar com o consumidor (de uma forma que ele entende e usa) tem um impacto positivo na vida de todos, da marca e do consumidor. Resultado? um relação que vai além do transacional e que transforma verdadeiramente quem aprende, porque o 'empodera' a conseguir tudo o que precisa e a atingir os seus resultados (chamamos-lhes 'customer success')

a esta altura já estamos a precisar de um exemplo! existem já muitos e bons, eu gostei particularmente da campanha "Bepanthen Tattoo" que exemplifica bem esta ideia


 

o caminho óbvio para a marca seria comunicar o produto e os seus beneficios funcionais "as-is"; tem usado a aplicação da pomada nos bebés para o efeito, certo! Mas, e como alargar o target e o território de associações para além da "maternidade" e da "puericultura"?

o que é que está na moda? o que é hoje uma trend cultural e tem tudo a ver com "pele": tatuagens!

por isso, mais do que anunciar a possiblidade de usar a pomada, a marca criou uma iniciativa que ensina os consumidores sobre os cuidados a ter com a pele tatuada, ajudando-os a preservar a beleza e a saúde da tauagem para sempre, usando a pomada (claro!). Esta abordagem 'educativa' constrói confiança e relevância ao oferecer informações úteis  aos clientes e aos tautadores – como práticas para cuidar de tatuagens, que estão cada vez mais presentes na nossa pele e no nosso dia a dia. A marca chamou-lhe "the art of aftercare"


Bepanthen Tattoo Aftercare Global Campaign: Hero AV 
 

Bepanthen Tattoo Aftercare Global Campaign: The Art of Aftercaree 

Bepanthen Tattoo Aftercare Global Campaign: Personal process

the aftercare card gift (paper and for download)

 

as marcas que assumem este papel criam uma sensação de cuidado genuíno, mostrando aos consumidores que estão realmente comprometidas com o seu bem-estar; e para além do beneficio funcional, introduzem uma nova camada na proposta de valor, dão um beneficio emocional, neste caso o sentimento que o consumidor tem de estar a cuidar de si próprio

quem quiser saber mais, toda a campanha está incrivelmente bem retratada pelas suas criadoras aqui e aqui

o conhecimento é um recurso com efeito multiplicador e ser fonte de confiança através do conhecimento é sem dúvida um diferencial competitivo. Marcas que colocam a literacia no centro das suas estratégias estão a agregar valore a construir relações duradouras! 

no futuro, mais do que contribuir para "consumir mais" ou "consumir menos", a marca terá o papel de ajudar a "consumir melhor" – e a literacia aparece aqui como um ativo estratégico de marca extremamente poderoso

a 'morte líquida' que se tornou uma aula de branding épica

a Liquid Death, criada em 2019 chegou recentemente ao estatuto de marca bilionária, tendo em março deste ano levantado uma ronda de investimento no valor de 67 milhões de dólares e atingido o valor épico de 1,4 biliões de dólares (source: Forbes)! e a vender o quê? água, dizem com desplante  

como? 
 
the customer is literally drinking the advertising, and the advertising is the brand

a frase é de Luke Sullivan no livro Hey Whipple, Squeeze This (de leitura obrigatória, btw) e resume, na perfeição, o fenómeno que é a marca Liquid Death, que transformou 'água' num ícone cultural (sem sequer a tornar em vinho)

dito de outra forma, 
 
o produto é o consumidor e beber Liquid Death tornou-se um ato performativo

o consumidor adota os valores, a identidade e a narrativa da marca e exibe o produto como uma extensão de si próprio, o produto transcende a sua função utilitária e transforma-se, através da marca, num signo, com tudo o que precisa para se tornar uma referência cultural

o nome, Liquid Death ("Morte Líquida") questiona os atributos de pureza e saúde e opoem-se ativamente ao conceito de 'vida' que a água tão bem representa enquanto simbolo; 'opoem-se' será a palavra chave aqui

a lata metálica ('tallboy') com design agressivo e o logotipo que é uma caveira, remetem (intencionalmente) para as cervejas artesanais ou para as bebidas energéticas e com isso a marca evoca rebeldia e ousadia

ao mesmo tempo, a embalagem comunica sustentabilidade (alumínio > plástico) e provoca uma reflexão irónica sobre o consumo consciente, sem a seriedade que muitas marcas sustentáveis adotam (inclusive ao dinamizar a hashtag #deathtoplastic). A lata não é apenas um recipiente de água; ela é um totem de uma tribo cultural que valoriza autenticidade, ironia e irreverência

o primeiro video da marca, há 5 anos:


um dos vídeos mais recentes, 'introducing a life-sized casket for death-sized beverages: The Casket Cooler from Liquid Death x YETI. Featuring Triple Foam ColdCell™ technology, once you fill this one-of-a-kind giant casket with ice and Liquid Death, it will become the life of any party'


a Liquid Death subverte assim todos os códigos conhecidos, e toda a identidade da marca desafia de forma irrreverente o padrão de naturalidade e pureza das águas que caracterizam o mercado (das Águas das Pedras à Fiji, Evian ou Voss); a Liquid Death rejeita a abordagem tradicional e escolhe uma linguagem contraintuitiva, associando um produto "saudável" à estética de morte, caveiras e subversão

ao executar toda esta (des)construção numa narrativa e numa comunicação que associa beber água a uma atitude anti-sistema a marca recria a cultura! e quem adora ser anti-sistema?

a própria assinatura da marca "Murder Your Thirst" (Assassina a tua sede) é um elemento central na construção desta identidade e narrativa. Mais do que uma simples promessa funcional, ela encapsula a atitude irreverente e provocativa que define a marca. A frase transforma o ato trivial de beber água num gesto performativo, quase violento, ao mesmo tempo que reforça a estética ousada e subversiva que permeia todos os aspectos da Liquid Death

a assinatura torna-se assim uma metáfora extremamente potente: "assassinar" a sede remete à intensidade com que a marca aborda seu público, enquanto ecoa o seu compromisso com "matar" o consumo de plástico descartável. A assinatura funciona como um ponto de ligação emocional e simbólica, garantindo que o consumidor esteja não só a saciar a sua sede, como também a aderir a uma comunidade cultural que valoriza autenticidade e a consciência ambiental com uma muita dose de irreverência e uma atitude de questionar tudo e todos 

a esta altura só nos resta agradecer a aula de Branding! vénia a ti Liquid Death 

criatividade artificial: o futuro da publicidade ou uma ameaça à arte?

a Coca-Cola lançou recentemente um anúncio criado 'inteiramente' com inteligência artificial (IA). Tal como seria de esperar, a opção atraiu de imediato atenção de todos


o anúncio utilizou a IA para combinar os elementos culturais e artísticos da marca, num vídeo que tenta ser o mais apelativo posssível (mas que basicamente repete a storyline e o universo visual da primeira versão do anúncio)

 

o anúncio foi amplamente elogiado, tendo cumprido o que eu acredtito ser um dos objetivos principais da iniciativa: gerar discussão (e muita) sobre o papel da IA no processo criativo. Obviamente também gerou toda uma onda de haters que carregaram as redes sociais com comentários negativos, alguns dos quais questionam mesmo a transparência do projeto, como o grau de envolvimento humano e a possível utilização de referências artísticas protegidas (por eventuais) direitos de autor

a 'verdade' é que o anúncio da Coca-Cola ilustra o potencial transformador da IA na publicidade, destacando como essa tecnologia pode ampliar horizontes criativos. No entanto, também aponta a necessidade de discutir práticas e padrões no uso de ferramentas emergentes

a interação entre a aparência e o conteúdo é uma dança delicada

numa era dominada pela aparência – where visual rules – de embalagens sofisticadas em campanhas altamente editadas, as marcas enfrentam o constante desafio de equilibrar o que mostram e o que realmente entregam. Às vezes... consegue-se transformar esta dicotomia numa abordagem surpreendentemente criativa, que tenta ir para além da estética

um exemplo curioso foi a campanha de 10 anos da marca de gin 'Monkey 47' que me apeteceu recuperar aqui. Porquê? em vez de repetir o de sempre e lançar uma edição limitada daquilo que é o seu produto, o Gin, a marca virou o tabuleiro e decidiu criar seis garrafas comemorativas... completamente vazias! #SadButTrue


 

sim, sem gin, só embalagem! vidro, decorado com imagens de primatas ameaçados, como o orangotango de Bornéu e o mico-leão-dourado. O objetivo? Destacar a importância de preservar essas espécies, com 100% dos lucros destinados à World Wide Fund for Nature (WWF) #OldButGold (sim, porque a iniciativa "já" é de 2020)



e o que parece "falta de conteúdo" é, na verdade, um acto cheio de sentido! transcende o produto físico, e dá corpo a uma missão

a interação entre a aparência e o conteúdo é uma dança delicada! de equilibrio entre a beleza visual e uma mensagem inspiradora e relevante: “há algo ainda mais precioso do que o nosso gin: salvar animais ameaçados por nós”

a cereja no topo do bolo? que fosse uma prática (re)corrente ;) 

cultura é o que a Heinz diz que é

a Heinz criou e lançou recentemente na Holanda a ativação "Ketchup Sprinkles" - ou "Hagelchup" - para incentivar os holandeses a experimentarem ketchup com batatas fritas em vez de maionese (uma pratica cultural local)

inspirado nos tradicionais sprinkles de chocolate (hagelslag), este produto esteve disponível apenas durante um fim de semana num evento em Amsterdão

embora o produto não venha a ser comercializado, o objetivo foi misturar humor com referências culturais, incentivando as pessoas a reconsiderarem o uso do ketchup

“This campaign is all about applying a uniquely Dutch lens to the universal appeal of Heinz ketchup,” disse Guillaume Roukhomovsky, diretor criativo da Gut Amsterdam à AdAge. “Sometimes, the gutsiest work happens when we take things that aren't serious very seriously. We knew that Hagelchup was a bold idea to bring to Heinz, and the fact that the team was immediately game is a real testament to the brand’s sense of fun.”  

 

 

esta ativação não só destaca e dá notoriedade à marca - o que o Acker chamou de 'brand energizers' - como também alavanca um envolvimento emocional positivo e cria novos signos que reforçam a relevância cultural da marca

sobre esta ativação, Belén Llamazares Carballo, diretor de marketing da Kraft Heinz, referiu em comunicado aos jornalistas:

“Why is a ‘patatje met’ always just with mayonnaise, and what would it be like if we could sprinkle Heinz tomato ketchup on top in the shape of traditional Dutch chocolate sprinkles, then we would merge the best of two Dutch traditions." (sublinhado meu)

este tipo de ativações mostram como as marcas, ao criarem ou se apropriarem de tradições ou elementos culturais, podem moldar ou até redefinir preferências gastronómicas e hábitos de consumo. As marcas a (re)construir cultura! Gosto

a marca que patrocina o projeto não patrocinado

quando vemos um corredor na linha de partida, como nestas olimpíadas, assumimos quase sempre que todos eles estão com equipamento patrocinado e a presença nas provas financiada. A verdade é que, muitos desses atletas pagam tudo do próprio bolso

por isso, em vez de correr com roupas de marcas que não os patrocinam e com isso estar a dar publicidade gratuita, alguns atletas olímpicos usaram - nas provas de acesso - os equipamentos totalmente pretos da Bandit Running, a marca que patrocina o "projeto não patrocinado": Unsponsored Project

nas olimpíadas deste ano são já 35 os atletas que fazem parte deste projeto (enquanto nas olimpíadas anteriores eram 9); estes atletas pretendem assim, e em conjunto com a Bandit Running, não só desafiar o modelo padrão de patrocínio para atletas profissionais, como também impulsionar o maior numero de competidores emergentes




 


 
a parceria envolve não só o equipamento, mas também o apoio financeiro mais imediato, de curto prazo, para a participação nas provas de acesso às olimpíadas. O acordo entre os atletas e a Bandit inclui ainda uma cláusula de "fácil" rescisão, permitindo que os atletas saiam facilmente se receberem durante a participação nas provas uma oferta de patrocínio "tradicional", de longo prazo
 
 
 
esta iniciativa é sem dúvida, a cara deste blog! as marcas a criarem novos modelos de "negócio" para poderem estar presentes na vida dos atletas e mostrarem relevância para quem importa, sejam atletas, clientes, concorrentes ou sociedade em geral

"no logotipo não se mexe"! Mexe-se sim

num esforço para incentivar a reciclagem, a nova campanha da Coca-Cola retrata o logótipo da marca literalmente esmagado e (dis)torcido, imitando a forma como apareceria numa lata de alumínio amassada e pronta para reciclar


 

segundo a marca estes logotipos não terão sido feitos deixando "simplesmente" um designer ir à loucura com a ferramenta warp do Photoshop. A equipa criativa esmagou literalmente as latas para conseguir capturar as distorções reais ao logotipo. Tudo isto dá ao resultado final uma verdadeira "autenticidade analógica" e um reconhecimento visual impressionante 
  

 
a campanha 'Recycle Me' foi desenvolvida pela WPP Open X, liderada pela Ogilvy New York com o suporte da Ogilvy PR. O vídeo em baixo retrata bem a ideia criativa e a importância da "autenticidade analógica"

  

é certo que a Coca-Cola não está a dizer nada de muito radical aqui: há pelo menos 40 anos que comunicam a importância de reciclar. Só que neste caso em particular e de interesse para o blog e para o branding, mais do que o que a Coca-Cola está a dizer, trata-se da forma "como" o está dizer
 
trata-se da forma como a marca - sem medo - questiona e ultrapassa a ditadura do logo estático e de que "no logotipo não se mexe"! Mexe-se sim, desde que se saiba o que se está a fazer
 
os novos modelos de identidade dinâmica da marca já pressupõem toda uma vida e elasticidade aos elementos visuais da marca (do qual o logotipo faz parte); nestes modelos, estes temas já nem se colocam, o que é refrescante. Sobre estes modelos recomendo claramente a leitura do livro "Dynamic Identities: How to create a living brand" da autora Irene van Nes