marcas que (re)inventam o jogo – o caso dos campos de futebol não rectangulares

o que acontece quando uma marca decide desafiar o óbvio? Quando, em vez de se limitar às regras do mercado, escolhe olhar para o que as pessoas realmente precisam? A resposta pode estar num campo de futebol – ou melhor, em vários campos de futebol, que não são, curiosamente, rectangulares

em Banguecoque, um dos maiores desafios urbanos é a falta de espaços públicos para lazer e desporto. Os bairros são apertados, cada metro quadrado tem um preço elevado, e as crianças crescem sem um lugar onde possam simplesmente jogar à bola! resultado, juntam-se a gangs

a solução tradicional seria construir um campo de futebol. Mas onde? Em áreas densamente povoadas, um campo convencional não cabia. Foi aqui que a AP Thailand (com a ajuda da agência CJ ​​​​Worx) fez aquilo que diferencia as marcas visionárias: olhou para o problema de outra forma. Em vez de se prender ao formato tradicional, decidiu usar os espaços disponíveis – fossem eles triangulares, trapezoidais ou com formas irregulares – e transformá-los em campos de futebol funcionais. Nasciam assim os primeiros campos de futebol não rectangulares do mundo




o impacto foi imediato. De um dia para o outro, jovens que antes não tinham onde jogar passaram a ter campos adaptados às suas comunidades. Mais do que um espaço de lazer, estes campos tornaram-se símbolos de criatividade e inclusão. E a AP Thailand? Conquistou algo que muitas marcas perseguem incessantemente: relevância autêntica 
 
esta iniciativa ensina-nos lições valiosas sobre construção de marca. Primeiro, que as marcas mais fortes não vendem produtos – entregam soluções. O imobiliário não se trata apenas de edifícios, mas de criar espaços onde as pessoas possam viver melhor. Segundo, que a inovação acontece quando se desafia o convencional. Ao repensar algo tão simples como um campo de futebol, a AP Thailand mostrou que até os conceitos mais estabelecidos podem ser reinventados. Por fim, que as marcas devem ser catalisadoras de mudança. Quando uma empresa resolve problemas reais, não precisa de grandes campanhas para gerar impacto – a sua acção fala por si
 

a cultura desempenha aqui um papel central. O futebol não é apenas um desporto – é um fenómeno cultural carregado de significados simbólicos. É pertença, identidade, paixão. Ao transformar espaços urbanos negligenciados em campos de futebol, a AP Thailand não só respondeu a uma necessidade prática, mas também fortaleceu o tecido cultural da comunidade. Mais do que criar um impacto isolado, ajudou a reforçar a ligação entre marca e cultura, mostrando como ambas se influenciam mutuamente. As marcas não existem no vazio – fazem parte da história, dos valores e das emoções das pessoas. Quanto mais se inserem nesse fluxo cultural, mais significado ganham na vida dos consumidores

ao adaptar os espaços urbanos às formas irregulares e às realidades locais, a AP Thailand não inovou apenas na infraestrutura, mas também "elevou" a experiência do consumidor. A experiência criada vai além do físico: ela reforça a relação emocional entre a comunidade. Ao colocar-se no lugar do consumidor, a AP Thailand não só melhora a qualidade de vida das pessoas, como cria um vínculo duradouro e relevante

a grande questão para qualquer gestor de marca é: estamos a criar produtos ou a resolver problemas? Estamos a seguir fórmulas ou a reimaginar possibilidades? No fim do dia, as marcas que (realmente) ficam são aquelas que ousam olhar o mundo com "olhos de ver" e compreendem que o seu impacto vai além do funcional – está profundamente enraizado na cultura, numa relação de construção mútua que molda tanto a marca como a sociedade

imitadores à parte – como reafirmar o valor do original

nos restaurantes, nem tudo o que parece Heinz é Heinz. A marca terá percebido que muitos estabelecimentos – neste caso na Turquia – substituem o ketchup original por alternativas mais baratas, mas mantêm-no em frascos ou embalagens que sugerem ser o verdadeiro. Resultado? Consumidores desconfiados e a marca a perder o controlo da experiência

para reforçar o compromisso com a originalidade, qualidade e consistência, a marca, com ajuda da Wunderman Thompson e VMLY&R, transformou um verdadeiro problema de "copy cat" numa oportunidade genial, criativa e simples com a campanha “Is That Heinz?"


 

a solução:

devolver aos clientes o poder para  identificar o verdadeiro ketchup Heinz! para combater estas imitações, a Heinz introduziu rótulos especificamente desenhados para ajudar os consumidores a identificarem facilmente o ketchup genuíno. Esses rótulos funcionavam como uma "assinatura" visual única, impossível de replicar, garantindo que apenas os produtos originais da marca têm essa característica distintiva


 
além de reforçarem o compromisso com a autenticidade e qualidade, os rótulos tornaram-se numa ferramenta prática para educar os clientes e fortalecer a confiança na marca. Ao mesmo tempo, dificultaram a vida de restaurantes que tentassem substituir o produto original por imitações mais baratas

para ajudar (e tornar a campanha digial), a Heinz lançou um filtro interativo no Instagram que permitia aos consumidores testar, de forma divertida e envolvente, a autenticidade do ketchup. A estratégia destacava o inconfundível vermelho Heinz, a textura perfeita e a qualidade superior, cimentando ainda mais a marca como o padrão de excelência no mercado



 

 os resultados:

a campanha terá tido resultados impressionantes. Cerca de 97% dos consumidores conseguiram distinguir o ketchup Heinz das imitações, comprovando a força da marca e da sua identidade visual. Além disso, o problema de "ketchup fraudulento" terá registado uma redução de 73%, com menos restaurantes a reabastecerem frascos Heinz com alternativas mais baratas. Como consequência, a utilização de ketchup Heinz em restaurantes de street food aumentou em 24%, reforçando a presença da marca neste segmento


lição para as marcas: 

a campanha não só resolve o problema imediato, como também reforça a reputação da Heinz como uma marca autêntica e de confiança, consolidando a sua liderança no mercado! a Heinz mostrou, mais uma vez, que o branding não é apenas sobre comunicar qualidade, mas garantir que essa qualidade é reconhecida e valorizada pelo consumidor


não és tú... é o Janeiro!

a marca Equinox suspendeu todas as novas adesões realizadas no primeiro dia do ano, enviando uma mensagem clara: mudanças reais exigem um esforço consistente e não dependem de um 'momento' qualquer no calendário 

a campanha "We Don’t Speak January" da Equinox destacou-se pela abordagem criativa com que desafiou as tradicionais "resoluções de Ano Novo" e a mentalidade de "começar do zero" tão comum em janeiro! Lançada no dia 1 de Janeiro de 2023, a iniciativa rejeita a ideia de mudanças sazonais superficiais e incentiva um compromisso sério e contínuo com o bem-estar e o fitness


a intenção era comunicar a filosofia da marca junto dos (potenciais) clientes, reforçando a mensagem que estes devem estar dispostos a adotar um estilo de vida comprometido, em vez de procurar soluções "mágicas", imediatistas e temporárias

a campanha utilizou um tom provocador e sofisticado, consistente com a imagem da marca. Ao desafiar as normas culturais e subverter a ideia de resoluções de Ano Novo, a Equinox criou uma narrativa forte e polarizadora, atraindo tanto a atenção de todos, dos clientes fiéis aos haters ('there will be haters'...) 

  
a mensagem “We Don’t Speak January” simboliza a rejeição de todas promessas efémeras e a valorização de práticas consistentes e autênticas de autocuidado. Este tem sido desde sempre o posicionamento da Equinox e com o qual se tornou um líder cultural no setor do fitness! uma iniciativa que fortalece a sua identidade de marca e que a aproxima de todos aqueles que levam o bem-estar físico e mental a sério, durante todo o ano 
 
sim, é verdade que a iniciativa é de 2023, mas Janeiro será sempre Janeiro, e as resoluções "de novo ano" serão para sempre as mesmas ;) por isso a marca renovou a campanha em 2024: 'We remain committed to not accepting new memberships on January 1st. Because commitment doesn't wait.' 
 

 

um luxo!

pensar como um futurista (pode salvar-lhe a vida)

no livro O Cisne Negro, Nicholas Taleb apresenta o conceito de "cisne negro", uma criatura que, até ser descoberta, era considerada impossível de existir. A obra explora como os seres humanos tentam encontrar explicações para eventos improváveis e imprevisíveis, muitas vezes tentando 'racionalizar' o inesperado, em vez de o incorporar como parte natural da vida das pessoas e dos negócios. Esta metáfora ilustra a imprevisibilidade e o impacto significativo de eventos raros, mostrando como eles podem alterar drasticamente a forma como compreendemos o mundo à nossa volta

um evento para ser considerado um Cisne Negro tem de reunir três características importantes: (1) ser imprevisível antes de ocorrer: com base no conhecimento e dados disponíveis, o evento parece impossível ou altamente improvável de acontecer; (2) ter um impacto enorme: ao ocorrer, o evento causa mudanças significativas, transformando setores, sistemas ou até mesmo sociedades inteiras; e (3) ser racionalizado em retrospectiva: após o evento, as pessoas frequentemente criam explicações que o fazem parecer menos aleatório ou imprevisível, como se fosse algo inevitável, ignorando sua natureza caótica e incerta

exemplos como a Nokia (no sector das telecomunicações) ou a Blockbuster (no entretenimento em casa) ilustram bem este conceito no mundo das marcas e as consequências da disrupção 'inesperada' — nas propostas de valor e nas preferências dos consumidores. Por isso, mesmo fazerndo tudo bem, não antecipar, antever ou preparar "cisnes negros" leva ao que muitas vezes designamos como "de vitória em vitória, até à derrota final" 

somos, cada vez mais, incapazes de avaliar em pleno todas as oportunidades possíveis, presos como estamos ao impulso de simplificar, classificar e categorizar. Além disso, falta-nos, frequentemente, a abertura necessária para reconhecer e valorizar o 'impossível' ou o ' improvável', deixando escapar ideias que poderiam transformar o mundo (da marca, do consumidor...)

por isso, as abordagens emergentes no planeamento estratégico substituem o 'forecast' pelo 'foresight', dando prioridade à construção de cenários futuros! o "futures thinking" reconhece assim a possibilidade – e a probabilidade – de mudanças fundamentais no próprio sistema. Sai do presente e das restrições atuais para considerar uma vasta gama de futuros possíveis, as suas consequências e as potenciais respostas. Como? através de metodologias inovadoras e das quais o 'futures cone' é um dos exemplos mais interessantes

o 'cone de futuros' criado por Henchey (1978) é uma heurística utilizada para mapear diferentes versões de futuros alternativos a partir do momento actual.  Esta ferramenta define quatro classes principais de futuros: futuro possível, futuro plausível, futuro provável e futuro preferível; para cada um destes cenários considera ainda a existência de 'cisnes negros' ou 'wild cards' que nos obrigam ao absoluto inesperado (assim como cenários 'absurdos' ou 'impossiveis')

(source: 'How to visualise futures studies concepts: Revision of the futures cone')

podem ler mais sobre os pressupostos e a metodologia no artigo 'projectar (para) o futuro das marcas' publicado na revista Marketeer aqui 
 
estas técnicas promovem o desenvolvimento daquela que eu acredito que seja a próxima “super–competência” das marcas, o foreknowledge o conhecimento sobre eventos futuros, a consciência de algo antes de acontecer ou existir. Os métodos prospectivos ajudam-nos a explorar e a compreender esta gama de possibilidades futuras e o futures thinking surge como a ferramenta essencial para as marcas, para os negócios ou para as organizações que procuram não apenas reagir ao futuro, a eventos mais ou menos (im)previstos, mas que querem ser capazes de os antecipar e de se preparar para construir o futuro 

por isso 'abraçar' o inesperado de forma criativa pode transformar as maiores incertezas em grandes oportunidades! abrir a marca a diferentes graus de inesperado e acompanhar as pistas que saem deste exercício pode não só garantir a sobrevivência de uma empresa, mas também criar um espaço fértil para soluções inovadoras que façam a diferença 

pensar como um futurista pode mesmo salvar-lhe a vida, da marca e do seu negócio! vamos a isso?

a literacia como um ativo estratégico de marca

na era dos dados e do excesso de informação, o conhecimento – o 'saber' – ganha cada vez mais relevância! ao mesmo tempo, percebemos, hoje mais do que nunca, que o papel das marcas tem de ir além do desenvolvimento e entrega de produtos ou serviços por si só

conseguiríamos juntar estes dois insights para criar um ativo estratégico para as marcas? este post é sobre isso, sobre a importância da literacia como ativo das marcas do futuro. As marcas do futuro (B2B, B2C, D2C, ...) precisam perceber o 'poder' do conhecimento que têm e do seu papel como agente ativo de literacia ao serviço do consumidor! isto é, o conhecimento que uma marca tem e constrói dentro da sua área de atuação e que ao partilhar com o consumidor (de uma forma que ele entende e usa) tem um impacto positivo na vida de todos, da marca e do consumidor. Resultado? um relação que vai além do transacional e que transforma verdadeiramente quem aprende, porque o 'empodera' a conseguir tudo o que precisa e a atingir os seus resultados (chamamos-lhes 'customer success')

a esta altura já estamos a precisar de um exemplo! existem já muitos e bons, eu gostei particularmente da campanha "Bepanthen Tattoo" que exemplifica bem esta ideia


 

o caminho óbvio para a marca seria comunicar o produto e os seus beneficios funcionais "as-is"; tem usado a aplicação da pomada nos bebés para o efeito, certo! Mas, e como alargar o target e o território de associações para além da "maternidade" e da "puericultura"?

o que é que está na moda? o que é hoje uma trend cultural e tem tudo a ver com "pele": tatuagens!

por isso, mais do que anunciar a possiblidade de usar a pomada, a marca criou uma iniciativa que ensina os consumidores sobre os cuidados a ter com a pele tatuada, ajudando-os a preservar a beleza e a saúde da tauagem para sempre, usando a pomada (claro!). Esta abordagem 'educativa' constrói confiança e relevância ao oferecer informações úteis  aos clientes e aos tautadores – como práticas para cuidar de tatuagens, que estão cada vez mais presentes na nossa pele e no nosso dia a dia. A marca chamou-lhe "the art of aftercare"


Bepanthen Tattoo Aftercare Global Campaign: Hero AV 
 

Bepanthen Tattoo Aftercare Global Campaign: The Art of Aftercaree 

Bepanthen Tattoo Aftercare Global Campaign: Personal process

the aftercare card gift (paper and for download)

 

as marcas que assumem este papel criam uma sensação de cuidado genuíno, mostrando aos consumidores que estão realmente comprometidas com o seu bem-estar; e para além do beneficio funcional, introduzem uma nova camada na proposta de valor, dão um beneficio emocional, neste caso o sentimento que o consumidor tem de estar a cuidar de si próprio

quem quiser saber mais, toda a campanha está incrivelmente bem retratada pelas suas criadoras aqui e aqui

o conhecimento é um recurso com efeito multiplicador e ser fonte de confiança através do conhecimento é sem dúvida um diferencial competitivo. Marcas que colocam a literacia no centro das suas estratégias estão a agregar valore a construir relações duradouras! 

no futuro, mais do que contribuir para "consumir mais" ou "consumir menos", a marca terá o papel de ajudar a "consumir melhor" – e a literacia aparece aqui como um ativo estratégico de marca extremamente poderoso