imitadores à parte – como reafirmar o valor do original

nos restaurantes, nem tudo o que parece Heinz é Heinz. A marca terá percebido que muitos estabelecimentos – neste caso na Turquia – substituem o ketchup original por alternativas mais baratas, mas mantêm-no em frascos ou embalagens que sugerem ser o verdadeiro. Resultado? Consumidores desconfiados e a marca a perder o controlo da experiência

para reforçar o compromisso com a originalidade, qualidade e consistência, a marca, com ajuda da Wunderman Thompson e VMLY&R, transformou um verdadeiro problema de "copy cat" numa oportunidade genial, criativa e simples com a campanha “Is That Heinz?"


 

a solução:

devolver aos clientes o poder para  identificar o verdadeiro ketchup Heinz! para combater estas imitações, a Heinz introduziu rótulos especificamente desenhados para ajudar os consumidores a identificarem facilmente o ketchup genuíno. Esses rótulos funcionavam como uma "assinatura" visual única, impossível de replicar, garantindo que apenas os produtos originais da marca têm essa característica distintiva


 
além de reforçarem o compromisso com a autenticidade e qualidade, os rótulos tornaram-se numa ferramenta prática para educar os clientes e fortalecer a confiança na marca. Ao mesmo tempo, dificultaram a vida de restaurantes que tentassem substituir o produto original por imitações mais baratas

para ajudar (e tornar a campanha digial), a Heinz lançou um filtro interativo no Instagram que permitia aos consumidores testar, de forma divertida e envolvente, a autenticidade do ketchup. A estratégia destacava o inconfundível vermelho Heinz, a textura perfeita e a qualidade superior, cimentando ainda mais a marca como o padrão de excelência no mercado



 

 os resultados:

a campanha terá tido resultados impressionantes. Cerca de 97% dos consumidores conseguiram distinguir o ketchup Heinz das imitações, comprovando a força da marca e da sua identidade visual. Além disso, o problema de "ketchup fraudulento" terá registado uma redução de 73%, com menos restaurantes a reabastecerem frascos Heinz com alternativas mais baratas. Como consequência, a utilização de ketchup Heinz em restaurantes de street food aumentou em 24%, reforçando a presença da marca neste segmento


lição para as marcas: 

a campanha não só resolve o problema imediato, como também reforça a reputação da Heinz como uma marca autêntica e de confiança, consolidando a sua liderança no mercado! a Heinz mostrou, mais uma vez, que o branding não é apenas sobre comunicar qualidade, mas garantir que essa qualidade é reconhecida e valorizada pelo consumidor


não és tú... é o Janeiro!

a marca Equinox suspendeu todas as novas adesões realizadas no primeiro dia do ano, enviando uma mensagem clara: mudanças reais exigem um esforço consistente e não dependem de um 'momento' qualquer no calendário 

a campanha "We Don’t Speak January" da Equinox destacou-se pela abordagem criativa com que desafiou as tradicionais "resoluções de Ano Novo" e a mentalidade de "começar do zero" tão comum em janeiro! Lançada no dia 1 de Janeiro de 2023, a iniciativa rejeita a ideia de mudanças sazonais superficiais e incentiva um compromisso sério e contínuo com o bem-estar e o fitness


a intenção era comunicar a filosofia da marca junto dos (potenciais) clientes, reforçando a mensagem que estes devem estar dispostos a adotar um estilo de vida comprometido, em vez de procurar soluções "mágicas", imediatistas e temporárias

a campanha utilizou um tom provocador e sofisticado, consistente com a imagem da marca. Ao desafiar as normas culturais e subverter a ideia de resoluções de Ano Novo, a Equinox criou uma narrativa forte e polarizadora, atraindo tanto a atenção de todos, dos clientes fiéis aos haters ('there will be haters'...) 

  
a mensagem “We Don’t Speak January” simboliza a rejeição de todas promessas efémeras e a valorização de práticas consistentes e autênticas de autocuidado. Este tem sido desde sempre o posicionamento da Equinox e com o qual se tornou um líder cultural no setor do fitness! uma iniciativa que fortalece a sua identidade de marca e que a aproxima de todos aqueles que levam o bem-estar físico e mental a sério, durante todo o ano 
 
sim, é verdade que a iniciativa é de 2023, mas Janeiro será sempre Janeiro, e as resoluções "de novo ano" serão para sempre as mesmas ;) por isso a marca renovou a campanha em 2024: 'We remain committed to not accepting new memberships on January 1st. Because commitment doesn't wait.' 
 

 

um luxo!

pensar como um futurista (pode salvar-lhe a vida)

no livro O Cisne Negro, Nicholas Taleb apresenta o conceito de "cisne negro", uma criatura que, até ser descoberta, era considerada impossível de existir. A obra explora como os seres humanos tentam encontrar explicações para eventos improváveis e imprevisíveis, muitas vezes tentando 'racionalizar' o inesperado, em vez de o incorporar como parte natural da vida das pessoas e dos negócios. Esta metáfora ilustra a imprevisibilidade e o impacto significativo de eventos raros, mostrando como eles podem alterar drasticamente a forma como compreendemos o mundo à nossa volta

um evento para ser considerado um Cisne Negro tem de reunir três características importantes: (1) ser imprevisível antes de ocorrer: com base no conhecimento e dados disponíveis, o evento parece impossível ou altamente improvável de acontecer; (2) ter um impacto enorme: ao ocorrer, o evento causa mudanças significativas, transformando setores, sistemas ou até mesmo sociedades inteiras; e (3) ser racionalizado em retrospectiva: após o evento, as pessoas frequentemente criam explicações que o fazem parecer menos aleatório ou imprevisível, como se fosse algo inevitável, ignorando sua natureza caótica e incerta

exemplos como a Nokia (no sector das telecomunicações) ou a Blockbuster (no entretenimento em casa) ilustram bem este conceito no mundo das marcas e as consequências da disrupção 'inesperada' — nas propostas de valor e nas preferências dos consumidores. Por isso, mesmo fazerndo tudo bem, não antecipar, antever ou preparar "cisnes negros" leva ao que muitas vezes designamos como "de vitória em vitória, até à derrota final" 

somos, cada vez mais, incapazes de avaliar em pleno todas as oportunidades possíveis, presos como estamos ao impulso de simplificar, classificar e categorizar. Além disso, falta-nos, frequentemente, a abertura necessária para reconhecer e valorizar o 'impossível' ou o ' improvável', deixando escapar ideias que poderiam transformar o mundo (da marca, do consumidor...)

por isso, as abordagens emergentes no planeamento estratégico substituem o 'forecast' pelo 'foresight', dando prioridade à construção de cenários futuros! o "futures thinking" reconhece assim a possibilidade – e a probabilidade – de mudanças fundamentais no próprio sistema. Sai do presente e das restrições atuais para considerar uma vasta gama de futuros possíveis, as suas consequências e as potenciais respostas. Como? através de metodologias inovadoras e das quais o 'futures cone' é um dos exemplos mais interessantes

o 'cone de futuros' criado por Henchey (1978) é uma heurística utilizada para mapear diferentes versões de futuros alternativos a partir do momento actual.  Esta ferramenta define quatro classes principais de futuros: futuro possível, futuro plausível, futuro provável e futuro preferível; para cada um destes cenários considera ainda a existência de 'cisnes negros' ou 'wild cards' que nos obrigam ao absoluto inesperado (assim como cenários 'absurdos' ou 'impossiveis')

(source: 'How to visualise futures studies concepts: Revision of the futures cone')

podem ler mais sobre os pressupostos e a metodologia no artigo 'projectar (para) o futuro das marcas' publicado na revista Marketeer aqui 
 
estas técnicas promovem o desenvolvimento daquela que eu acredito que seja a próxima “super–competência” das marcas, o foreknowledge o conhecimento sobre eventos futuros, a consciência de algo antes de acontecer ou existir. Os métodos prospectivos ajudam-nos a explorar e a compreender esta gama de possibilidades futuras e o futures thinking surge como a ferramenta essencial para as marcas, para os negócios ou para as organizações que procuram não apenas reagir ao futuro, a eventos mais ou menos (im)previstos, mas que querem ser capazes de os antecipar e de se preparar para construir o futuro 

por isso 'abraçar' o inesperado de forma criativa pode transformar as maiores incertezas em grandes oportunidades! abrir a marca a diferentes graus de inesperado e acompanhar as pistas que saem deste exercício pode não só garantir a sobrevivência de uma empresa, mas também criar um espaço fértil para soluções inovadoras que façam a diferença 

pensar como um futurista pode mesmo salvar-lhe a vida, da marca e do seu negócio! vamos a isso?

a literacia como um ativo estratégico de marca

na era dos dados e do excesso de informação, o conhecimento – o 'saber' – ganha cada vez mais relevância! ao mesmo tempo, percebemos, hoje mais do que nunca, que o papel das marcas tem de ir além do desenvolvimento e entrega de produtos ou serviços por si só

conseguiríamos juntar estes dois insights para criar um ativo estratégico para as marcas? este post é sobre isso, sobre a importância da literacia como ativo das marcas do futuro. As marcas do futuro (B2B, B2C, D2C, ...) precisam perceber o 'poder' do conhecimento que têm e do seu papel como agente ativo de literacia ao serviço do consumidor! isto é, o conhecimento que uma marca tem e constrói dentro da sua área de atuação e que ao partilhar com o consumidor (de uma forma que ele entende e usa) tem um impacto positivo na vida de todos, da marca e do consumidor. Resultado? um relação que vai além do transacional e que transforma verdadeiramente quem aprende, porque o 'empodera' a conseguir tudo o que precisa e a atingir os seus resultados (chamamos-lhes 'customer success')

a esta altura já estamos a precisar de um exemplo! existem já muitos e bons, eu gostei particularmente da campanha "Bepanthen Tattoo" que exemplifica bem esta ideia


 

o caminho óbvio para a marca seria comunicar o produto e os seus beneficios funcionais "as-is"; tem usado a aplicação da pomada nos bebés para o efeito, certo! Mas, e como alargar o target e o território de associações para além da "maternidade" e da "puericultura"?

o que é que está na moda? o que é hoje uma trend cultural e tem tudo a ver com "pele": tatuagens!

por isso, mais do que anunciar a possiblidade de usar a pomada, a marca criou uma iniciativa que ensina os consumidores sobre os cuidados a ter com a pele tatuada, ajudando-os a preservar a beleza e a saúde da tauagem para sempre, usando a pomada (claro!). Esta abordagem 'educativa' constrói confiança e relevância ao oferecer informações úteis  aos clientes e aos tautadores – como práticas para cuidar de tatuagens, que estão cada vez mais presentes na nossa pele e no nosso dia a dia. A marca chamou-lhe "the art of aftercare"


Bepanthen Tattoo Aftercare Global Campaign: Hero AV 
 

Bepanthen Tattoo Aftercare Global Campaign: The Art of Aftercaree 

Bepanthen Tattoo Aftercare Global Campaign: Personal process

the aftercare card gift (paper and for download)

 

as marcas que assumem este papel criam uma sensação de cuidado genuíno, mostrando aos consumidores que estão realmente comprometidas com o seu bem-estar; e para além do beneficio funcional, introduzem uma nova camada na proposta de valor, dão um beneficio emocional, neste caso o sentimento que o consumidor tem de estar a cuidar de si próprio

quem quiser saber mais, toda a campanha está incrivelmente bem retratada pelas suas criadoras aqui e aqui

o conhecimento é um recurso com efeito multiplicador e ser fonte de confiança através do conhecimento é sem dúvida um diferencial competitivo. Marcas que colocam a literacia no centro das suas estratégias estão a agregar valore a construir relações duradouras! 

no futuro, mais do que contribuir para "consumir mais" ou "consumir menos", a marca terá o papel de ajudar a "consumir melhor" – e a literacia aparece aqui como um ativo estratégico de marca extremamente poderoso

a 'morte líquida' que se tornou uma aula de branding épica

a Liquid Death, criada em 2019 chegou recentemente ao estatuto de marca bilionária, tendo em março deste ano levantado uma ronda de investimento no valor de 67 milhões de dólares e atingido o valor épico de 1,4 biliões de dólares (source: Forbes)! e a vender o quê? água, dizem com desplante  

como? 
 
the customer is literally drinking the advertising, and the advertising is the brand

a frase é de Luke Sullivan no livro Hey Whipple, Squeeze This (de leitura obrigatória, btw) e resume, na perfeição, o fenómeno que é a marca Liquid Death, que transformou 'água' num ícone cultural (sem sequer a tornar em vinho)

dito de outra forma, 
 
o produto é o consumidor e beber Liquid Death tornou-se um ato performativo

o consumidor adota os valores, a identidade e a narrativa da marca e exibe o produto como uma extensão de si próprio, o produto transcende a sua função utilitária e transforma-se, através da marca, num signo, com tudo o que precisa para se tornar uma referência cultural

o nome, Liquid Death ("Morte Líquida") questiona os atributos de pureza e saúde e opoem-se ativamente ao conceito de 'vida' que a água tão bem representa enquanto simbolo; 'opoem-se' será a palavra chave aqui

a lata metálica ('tallboy') com design agressivo e o logotipo que é uma caveira, remetem (intencionalmente) para as cervejas artesanais ou para as bebidas energéticas e com isso a marca evoca rebeldia e ousadia

ao mesmo tempo, a embalagem comunica sustentabilidade (alumínio > plástico) e provoca uma reflexão irónica sobre o consumo consciente, sem a seriedade que muitas marcas sustentáveis adotam (inclusive ao dinamizar a hashtag #deathtoplastic). A lata não é apenas um recipiente de água; ela é um totem de uma tribo cultural que valoriza autenticidade, ironia e irreverência

o primeiro video da marca, há 5 anos:


um dos vídeos mais recentes, 'introducing a life-sized casket for death-sized beverages: The Casket Cooler from Liquid Death x YETI. Featuring Triple Foam ColdCell™ technology, once you fill this one-of-a-kind giant casket with ice and Liquid Death, it will become the life of any party'


a Liquid Death subverte assim todos os códigos conhecidos, e toda a identidade da marca desafia de forma irrreverente o padrão de naturalidade e pureza das águas que caracterizam o mercado (das Águas das Pedras à Fiji, Evian ou Voss); a Liquid Death rejeita a abordagem tradicional e escolhe uma linguagem contraintuitiva, associando um produto "saudável" à estética de morte, caveiras e subversão

ao executar toda esta (des)construção numa narrativa e numa comunicação que associa beber água a uma atitude anti-sistema a marca recria a cultura! e quem adora ser anti-sistema?

a própria assinatura da marca "Murder Your Thirst" (Assassina a tua sede) é um elemento central na construção desta identidade e narrativa. Mais do que uma simples promessa funcional, ela encapsula a atitude irreverente e provocativa que define a marca. A frase transforma o ato trivial de beber água num gesto performativo, quase violento, ao mesmo tempo que reforça a estética ousada e subversiva que permeia todos os aspectos da Liquid Death

a assinatura torna-se assim uma metáfora extremamente potente: "assassinar" a sede remete à intensidade com que a marca aborda seu público, enquanto ecoa o seu compromisso com "matar" o consumo de plástico descartável. A assinatura funciona como um ponto de ligação emocional e simbólica, garantindo que o consumidor esteja não só a saciar a sua sede, como também a aderir a uma comunidade cultural que valoriza autenticidade e a consciência ambiental com uma muita dose de irreverência e uma atitude de questionar tudo e todos 

a esta altura só nos resta agradecer a aula de Branding! vénia a ti Liquid Death