criatividade artificial: o futuro da publicidade ou uma ameaça à arte?

a Coca-Cola lançou recentemente um anúncio criado 'inteiramente' com inteligência artificial (IA). Tal como seria de esperar, a opção atraiu de imediato atenção de todos


o anúncio utilizou a IA para combinar os elementos culturais e artísticos da marca, num vídeo que tenta ser o mais apelativo posssível (mas que basicamente repete a storyline e o universo visual da primeira versão do anúncio)

 

o anúncio foi amplamente elogiado, tendo cumprido o que eu acredtito ser um dos objetivos principais da iniciativa: gerar discussão (e muita) sobre o papel da IA no processo criativo. Obviamente também gerou toda uma onda de haters que carregaram as redes sociais com comentários negativos, alguns dos quais questionam mesmo a transparência do projeto, como o grau de envolvimento humano e a possível utilização de referências artísticas protegidas (por eventuais) direitos de autor

a 'verdade' é que o anúncio da Coca-Cola ilustra o potencial transformador da IA na publicidade, destacando como essa tecnologia pode ampliar horizontes criativos. No entanto, também aponta a necessidade de discutir práticas e padrões no uso de ferramentas emergentes

a interação entre a aparência e o conteúdo é uma dança delicada

numa era dominada pela aparência – where visual rules – de embalagens sofisticadas em campanhas altamente editadas, as marcas enfrentam o constante desafio de equilibrar o que mostram e o que realmente entregam. Às vezes... consegue-se transformar esta dicotomia numa abordagem surpreendentemente criativa, que tenta ir para além da estética

um exemplo curioso foi a campanha de 10 anos da marca de gin 'Monkey 47' que me apeteceu recuperar aqui. Porquê? em vez de repetir o de sempre e lançar uma edição limitada daquilo que é o seu produto, o Gin, a marca virou o tabuleiro e decidiu criar seis garrafas comemorativas... completamente vazias! #SadButTrue


 

sim, sem gin, só embalagem! vidro, decorado com imagens de primatas ameaçados, como o orangotango de Bornéu e o mico-leão-dourado. O objetivo? Destacar a importância de preservar essas espécies, com 100% dos lucros destinados à World Wide Fund for Nature (WWF) #OldButGold (sim, porque a iniciativa "já" é de 2020)



e o que parece "falta de conteúdo" é, na verdade, um acto cheio de sentido! transcende o produto físico, e dá corpo a uma missão

a interação entre a aparência e o conteúdo é uma dança delicada! de equilibrio entre a beleza visual e uma mensagem inspiradora e relevante: “há algo ainda mais precioso do que o nosso gin: salvar animais ameaçados por nós”

a cereja no topo do bolo? que fosse uma prática (re)corrente ;) 

cultura é o que a Heinz diz que é

a Heinz criou e lançou recentemente na Holanda a ativação "Ketchup Sprinkles" - ou "Hagelchup" - para incentivar os holandeses a experimentarem ketchup com batatas fritas em vez de maionese (uma pratica cultural local)

inspirado nos tradicionais sprinkles de chocolate (hagelslag), este produto esteve disponível apenas durante um fim de semana num evento em Amsterdão

embora o produto não venha a ser comercializado, o objetivo foi misturar humor com referências culturais, incentivando as pessoas a reconsiderarem o uso do ketchup

“This campaign is all about applying a uniquely Dutch lens to the universal appeal of Heinz ketchup,” disse Guillaume Roukhomovsky, diretor criativo da Gut Amsterdam à AdAge. “Sometimes, the gutsiest work happens when we take things that aren't serious very seriously. We knew that Hagelchup was a bold idea to bring to Heinz, and the fact that the team was immediately game is a real testament to the brand’s sense of fun.”  

 

 

esta ativação não só destaca e dá notoriedade à marca - o que o Acker chamou de 'brand energizers' - como também alavanca um envolvimento emocional positivo e cria novos signos que reforçam a relevância cultural da marca

sobre esta ativação, Belén Llamazares Carballo, diretor de marketing da Kraft Heinz, referiu em comunicado aos jornalistas:

“Why is a ‘patatje met’ always just with mayonnaise, and what would it be like if we could sprinkle Heinz tomato ketchup on top in the shape of traditional Dutch chocolate sprinkles, then we would merge the best of two Dutch traditions." (sublinhado meu)

este tipo de ativações mostram como as marcas, ao criarem ou se apropriarem de tradições ou elementos culturais, podem moldar ou até redefinir preferências gastronómicas e hábitos de consumo. As marcas a (re)construir cultura! Gosto

a marca que patrocina o projeto não patrocinado

quando vemos um corredor na linha de partida, como nestas olimpíadas, assumimos quase sempre que todos eles estão com equipamento patrocinado e a presença nas provas financiada. A verdade é que, muitos desses atletas pagam tudo do próprio bolso

por isso, em vez de correr com roupas de marcas que não os patrocinam e com isso estar a dar publicidade gratuita, alguns atletas olímpicos usaram - nas provas de acesso - os equipamentos totalmente pretos da Bandit Running, a marca que patrocina o "projeto não patrocinado": Unsponsored Project

nas olimpíadas deste ano são já 35 os atletas que fazem parte deste projeto (enquanto nas olimpíadas anteriores eram 9); estes atletas pretendem assim, e em conjunto com a Bandit Running, não só desafiar o modelo padrão de patrocínio para atletas profissionais, como também impulsionar o maior numero de competidores emergentes




 


 
a parceria envolve não só o equipamento, mas também o apoio financeiro mais imediato, de curto prazo, para a participação nas provas de acesso às olimpíadas. O acordo entre os atletas e a Bandit inclui ainda uma cláusula de "fácil" rescisão, permitindo que os atletas saiam facilmente se receberem durante a participação nas provas uma oferta de patrocínio "tradicional", de longo prazo
 
 
 
esta iniciativa é sem dúvida, a cara deste blog! as marcas a criarem novos modelos de "negócio" para poderem estar presentes na vida dos atletas e mostrarem relevância para quem importa, sejam atletas, clientes, concorrentes ou sociedade em geral

"no logotipo não se mexe"! Mexe-se sim

num esforço para incentivar a reciclagem, a nova campanha da Coca-Cola retrata o logótipo da marca literalmente esmagado e (dis)torcido, imitando a forma como apareceria numa lata de alumínio amassada e pronta para reciclar


 

segundo a marca estes logotipos não terão sido feitos deixando "simplesmente" um designer ir à loucura com a ferramenta warp do Photoshop. A equipa criativa esmagou literalmente as latas para conseguir capturar as distorções reais ao logotipo. Tudo isto dá ao resultado final uma verdadeira "autenticidade analógica" e um reconhecimento visual impressionante 
  

 
a campanha 'Recycle Me' foi desenvolvida pela WPP Open X, liderada pela Ogilvy New York com o suporte da Ogilvy PR. O vídeo em baixo retrata bem a ideia criativa e a importância da "autenticidade analógica"

  

é certo que a Coca-Cola não está a dizer nada de muito radical aqui: há pelo menos 40 anos que comunicam a importância de reciclar. Só que neste caso em particular e de interesse para o blog e para o branding, mais do que o que a Coca-Cola está a dizer, trata-se da forma "como" o está dizer
 
trata-se da forma como a marca - sem medo - questiona e ultrapassa a ditadura do logo estático e de que "no logotipo não se mexe"! Mexe-se sim, desde que se saiba o que se está a fazer
 
os novos modelos de identidade dinâmica da marca já pressupõem toda uma vida e elasticidade aos elementos visuais da marca (do qual o logotipo faz parte); nestes modelos, estes temas já nem se colocam, o que é refrescante. Sobre estes modelos recomendo claramente a leitura do livro "Dynamic Identities: How to create a living brand" da autora Irene van Nes